No Hotel Chiado, com vista para a Mouraria, Lloyd Cole dissecou a carreira, partindo do novo disco «Broken Record». O (agora menos) cantautor está de volta à «segunda pátria» para cinco concertos.
Pediu aos fãs auxílio para gravar este novo disco…
Sim, ofereci-lhes a oportunidade de o adquirir antes de ele ser editado. Eles compraram mil edições de luxo a 45 dólares mas o resultado final não foram 45 mil dólares porque há sempre custos de transporte além da própria manufactura do disco. Devo ter conseguido uns 30 mil dólares.
É uma prova de confiança dos fãs…
Gosto de acreditar que sim.
Como é que interpreta esse facto?
Creio que ainda há algumas pessoas que me querem ouvir. Seguramente que não tantas como no passado mas a razão pela qual querem ouvir este disco é saberem que eu não sou cínico. Se eu quisesse fazer dinheiro, não gravaria este álbum. Não sei se repetiria este processo.
Li numa entrevista que chegou a recusar compor para os Simply Red…
Sim, às vezes sinto-me um pouco tolo por causa disso. Eles chegaram a ser a maior banda no Reino Unido mas quando tinha 23/24 anos, pensava que eles eram horríveis. Teria sido um exercício cínico. Preciso de fazer dinheiro mas quero acreditar que ainda posso gravar boa música. De qualquer forma, gosto de trabalhar com outras pessoas. Este ano tenciono ir a Nashville.
O «Broken Record» tem um toque country…
Sim, isso tem a ver com os músicos. Nos álbuns anteriores, eu toquei praticamente todos os instrumentos. Desta vez, foquei-me apenas na guitarra acústica. Se há um toque americano, é por ter trabalhado com músicos locais. Só há um inglês neste disco e que é o Blair (Cowan), dos Commotions.
Escolheu trabalhar com uma banda por ter dinheiro para isso?
Não, foi ao contrário. Precisei de juntar dinheiro para poder ter uma banda. Algumas das canções não funcionariam apenas com voz e guitarra. Era necessário um baixo e uma bateria. Enviei um mail a alguns dos meus músicos favoritos e eles aceitaram.
Também li que os músicos só foram pagos após as gravações.
Bom, todos foram pagos mas alguns não entenderam o processo. Pensavam que não iam receber. Juntei um orçamento para o disco e consegui que toda a gente recebesse. Não tanto como gostaria mas não foi assim tão mau.
Esta banda é muito diferente dos Commotions?
Sim, a secção rítmica é muito diferente. Adorava a dos Commotions. Acho que o Lawrence (baixista) foi um músico subvalorizado. Tinha um toque muito britânico. A música que eu agora quero fazer não depende de diálogos entre o baixo e a bateria.
Ainda se dá com os músicos dos Commotions?
Sim, estivemos juntos há não muito tempo na Escócia. Recebemos um prémio de carreira o que é curioso porque nos separámos em 1988. Tocámos algumas canções na cerimónia. No resto do tempo, vamos falando. Se vou a Londres, encontro-me com o Steve, e a Toronto com o Neill. O Lawrence está sempre a viajar mas às vezes ainda jogamos golfe.
Escutariam uma proposta para se reunirem de novo?
Nós demos um concerto em 2004 a propósito do vigésimo aniversário do «Rattlesnakes». Foi engraçado mas parecíamos uns senhores a tocar música de miúdos. Pode funcionar de vez em quando e não vou cair no erro de dizer nunca mas teria que haver um motivo especial…ou muito dinheiro envolvido (risos).
Sente nostalgia desses tempos?
Sinto. A nostalgia é uma das minhas características. Há bandas que regressam. Nós só estivemos juntos quatro anos quando estávamos na casa dos 20. Posso tocar essas canções mas com os arranjos dos Commotions…não me parece muito digno.
Ainda toca essas canções ao vivo?
Sim, para a minha nova digressão ensaiámos 40 canções. Dos Commotions, há, pelo menos, doze. É bastante para quem gravou apenas três álbuns. Gosto sobretudo do «Rattlesnakes».
Como é que vê o regresso de tantas bandas dos anos 80?
Não quero julgar ninguém. Se são felizes…Eu seria capaz de ir ver os Human League. Eles eram divertidos. Adoro as duas raparigas, o Phil Oakey…adoro o falhanço do segundo álbum. É glorioso, assim como o falhanço do segundo disco dos Spandau Ballet.
Ouve as bandas que citam os anos 80 como referência?
Nem por isso, embora reconheça que se safam bem. Costumo dizer que não oiço música nova mas os LCD Soundsystem são uma excepção. Adoro. O primeiro single deles, «Losing My Edge», lembra-me muito o minimalismo dos Suicide. Só não gosto tanto quando o James Murphy é sincero. Quando canta com o coração, torna-se menos interessante. Agrada-me mais a ideia de um «Drunk Girls».
Ainda procura música nova?
Não muita. Dispendo muita energia a pesquisa coisas que estão a ser faladas mas, não só não oiço rádio como não oiço muita música. Não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo. Se estou a compor ou a responder mails, não oiço música, a não ser que seja clássica.
O mainstream de 80 era diferente do actual?
Não creio. Os singles do Stock, Aitken e Waterman eram muito semelhantes ao dos «Ídolos» actuais. A grande diferença entre os anos 80 e os 90 tem a ver com a largura do mainstream. Era maior. Havia divisões: os muito grandes como os U2 ou o Elton John, os que se safavam bem como eu os Smiths, um degrau intermédio e um underground. Agora, só tens o topo e o resto. A classe média desapareceu. Eu fiz parte desse meio mas agora até agradeço a independência.
Mas se é assim, a luta torna-se árdua…
Sim. Trabalhei muito nos anos 80 com pessoas a controlarem a minha agenda. Nem todas as decisões foram correctas. Agora, pelo menos a responsabilidade é minha.
Onde é que encontra inspiração?
Não sei. Não sei mesmo. Vivo. Por exemplo, esta vista pode inspirar-me. Não estamos longe do Castelo (de São Jorge). Esta zona é muito comprimida. Tem um grande volume de habitação. Não há espaço para encaixar nenhum edifício novo. Também gosto do oposto; de cidades onde a nova construção conviva com a antiga. Glasgow é assim.
Como é que explica esta relação especial com Portugal?
Não sei. Os promotores continuam a contratar-me e eu venho porque preciso de trabalhar. Há dois dias que estou em Portugal a promover o disco e conto sempre a mesma piada: há dois países que se sentem atraídos pela minha música. Um é este e o outro é a Suécia. Que pode haver em comum entre ambos? Nada, a não ser a melancolia. Os portugueses têm fado e os suecos bebem (risos). Pronto, não conto mais a piada. Não a ensaiei, simplesmente saiu-me quando pensava no assunto. Agora a sério, são dois países que me acolhem de braços abertos. Na Suécia, estou em 12º lugar do top. Será que é necessário encontrar explicações para algo tão bom? Se fosse uma coisa má, aí sim seriam necessárias razões para tentar inverter a situação. Limito-me a aceitar.
Como o amor…
Sim, tem ares de romance. Já dei mais concertos aqui do que noutro país. Nos últimos anos, dei imensos concertos em cidades pequenas. Até nos Açores!
E as pessoas conhecem a música?
Sim, nos Açores conheciam. Só houve dois concertos que me correram mal: um foi no Coliseu com os Negatives. Era uma sala demasiado grande e tocar num Coliseu vazio é deprimente. O outro foi no Porto quando me puseram num clube de rock, o Hard Club. Foi muito complicado. Disse ao meu promotor que tocávamos música acústica e, desta vez, vamos à Casa da Música.
Vai apresentar o novo disco nos cinco concertos que aí vêm?
Não necessariamente. Em Sintra, creio que é num festival. É menos tempo No meu espectáculo, temos duas partes e um intervalo. Tocamos canções de toda a discografia.
Portanto, os discos servem para promover digressões…
Não só. É uma questão complicada. Ainda tenho vontade de compor e gravar. Se não fazes um disco durante muito tempo, as pessoas começam a pensar em ti como um artista do passado. Não me parece que o público aprove a ideia de um artista deixar de criar, o que, na minha opinião, é um pensamento estúpido. Pensa em alguém como o John Fogerty. Ele escreveu brilhantes canções entre 1969 e 1973. Depois disso, não fez quase nada de jeito mas tem material suficiente para dar um espectáculo fabuloso só com esse período. No entanto, vê-se obrigado a ir buscar música horrorosa por causa dessa lógica. A maior parte dos músicos passa por períodos muito criativos mas raramente consegue manter a consistência. Os discos servem para defender uma imagem de contemporaneidade dos artistas. Sozinho, não consigo ir contra isto mas não concordo com esta forma de pensar. Quando me sentir sem vontade, deixo de gravar e passo apenas a dar concertos. Sou fã do Leonard Cohen mas o «Ten New Songs», o mais recente álbum, não é muito bom. Não há ali nada de verdadeiramente relevante. No entanto, dizem-me que os espectáculos deles continuam a ser maravilhosos. É curioso. As pessoas já não vão às lojas mas se eu levar o disco para a estrada, vende-se imenso. As pessoas procuram-no no final. Se eu soubesse disso há vinte anos…
Consideraria a hipótese de vender um álbum numa pen drive ou num cartão de memória?
Não vejo porque não. Parece-me uma óptima ideia. É uma hipótese a considerar.
E vender uma gravação do espectáculo acabado de decorrer?
Isso não. Conheço quem o faça mas não me atrai. Gosto sempre de ouvir as gravações. Prefiro a ideia de ir a Nashville, dar concertos com músicos locais e, no fim, editar um resumo dessas colaborações. Também gosto de fazer ringtones. No meu site, está uma explicação de como fazê-los.
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Publication: Disco
Publication date: 17/10/10